sexta-feira, dezembro 01, 2006

Blacksad



Eu não leio tantos quadrinhos europeus quanto eu gostaria. Na verdade eu leio bem menos do que eu gostaria. Mas, felizmente, de tempos em tempos consigo por as mãos em algum material. E o último dessa leva que me chamou a atenção foi Blacksad, publicação francesa, de criação espanhola, com roteiros de Juan Diaz Canales e arte de Juanjo Guarnido. A série, que chegou as minhas mãos em meados de 2004, trata das aventuras de John Blacksad, um detetive que vive as voltas com casos sórdidos em um mundo infestado pela corrupção e cheio de sexo e violência. Três histórias já foram lançadas, o primeiro Somewhere Within the Shadows (denominada somente Blacksad nos EUA), publicado em 2000, apresenta o personagem principal investigando o assassinato de uma atriz com quem ele se envolveu no passado. O segundo, Artic Nation, publicado em 2003, leva o protagonista a investigar uma série de crimes raciais e traz a discussão da descriminação racial por cor no sul dos EUA, abordando até a Klu Klux Klan. E o terceiro e último álbum, lançado em 2005 e intitulado Red Soul, trata do McCarthysmo nos EUA no pós-guerra. Além das três histórias um sketchbook foi publicado, com entrevistas e diversos desenhos.

Todos os personagens da série são bichos, e é nesse universo antropomórfico estabelecido em um ambiente de filme noir, que a história se passa. O mundo é muito semelhante ao nosso, inclusive historicamente, porém ao invés de pessoas existem bichos dos mais diversos tipos. E cada bicho parece ser selecionado para refletir a personalidade do personagem. John Blacksad é um gato preto, o chefe de polícia Smirnov é um cão Pastor Alemão, um dos investigadores policiais é uma raposa, os capangas geralmente são ursos e rinocerontes, Weekly, um jornalista parceiro de Blacksad, é uma Doninha marrom, e assim vai. Diversas personalidades já foram representadas, entre elas o próprio Hitler, que apareceu em uma foto como um gato; o senador Joseph McCarthy, representado como um galo e chamado na história de Senator Gallo; e Allen Ginsberg, famoso poeta beat norte americano, representado por um Bisão chamado Greenberg.

A história se passa no final da década de 50 nos EUA e é tudo muito bem caracterizado pelo clima noir. Não exatamente o noir clássico do cinema norte americano, pois o quadrinho é, por exemplo, colorido; mas o universo noir de damas sensuais e fatais, do clima das grandes histórias de detetives e inclusive da estrutura de histórias policiais clássicas.

Grande parte dessa caracterização se deve a soberba arte de Guarnido. O desenho é espetacular e a colorização fantástica. E não é só a habilidade dele que impressiona, e quando falo da habilidade quero dizer o conhecimento técnico (anatomia, perspectiva, e etc..), mas o quão sólida é sua linguagem visual e sua narrativa. Supostamente oriundo da animação (é dito no primeiro gibi de Blacksad que tanto ele quanto Diaz Canales trabalharam na Disney européia antes de se lançarem nos quadrinhos), Guarnido, como nota Steranko (ele mesmo) na introdução da primeira HQ, desenha seus personagens animais com mais expressão do que muitos artistas desenham pessoas. Sua arte é impressionante como só os grandes quadrinístias europeus conseguem ser, e o quadrinho se beneficia disso. A história, que poderia muito bem ser um desenho da Disney adulto, possui um visual realista e sujo, uma narrativa visual cinematográfica e um belíssimo tratamento das imagens, desenhadas a aquarela com maestria por Guarnido

O texto não esta a altura da arte, Diaz Canales conduz uma história mediana no primeiro volume e um pouco mais interessante no segundo. Esta longe de ser uma história ruim, mas não é tão boa quanto a arte. Já na terceira edição a qualidade do texto se eleva bastante, sendo, pra mim, o mais bem escrito. Mas em todos os três o texto não falha em trazer questões historicamente pertinentes e de cumprir o papel de ser um bom entretenimento.

Se você gosta de histórias policiais, de filmes noir ou de histórias de detetives, ou ainda se você é fã da Disney e sempre se perguntou como seria a qualidade dos desenhos aplicada a uma temática adulta, Blacksad é um bom exemplo de onde se poderia chegar.